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  Crato, 24 de setembro de 2023.




Eu tenho uma certa facilidade para conviver com adolescentes, provavelmente porque eu sou parecido com eles, sou chato e revoltado. Como eu venho contando aqui eu estava inscrito para lutar no dia 23 de setembro. Eu coloquei sempre dessa maneira ou em variações disso porque era a equipe dos veteranos. Uma equipe que deveria ser composta por três "meninos" com mais de trinta anos e três "meninas" com mais de trinta anos. Encontrar três meninas dispostas a admitir que têm mais de trinta já não é uma tarefa fácil, três dispostas a lutar judô é ainda mais difícil. Resultado: não apareceu outra equipe para enfrentar a gente. Fomos campeões sem ter que lutar. 

Eu imagino que deve ter alguém lendo isso e se decepcionando ou achando que não mereci minha medalha. Feita de pedra! A coisa mais linda, o mais belo enfeite para esse meu humilde lar. Eu só posso dizer duas coisas para você, meu leitor decepcionado. Primeiro: obrigado por ler. Segundo: eu não me importo com essa sua opinião, porque eu sei que mereci essa medalha. Eu estava pronto para lutar, se não havia um adversário isso já não é problema meu.

Uma coleguinha adolescente que ganhou uma das competições sub quinze veio falar de forma não objetiva que ela lutou e ganhou uma medalha com a inscrição "festival" ao invés de uma medalha com a inscrição "primeiro lugar" como a minha. Eu logo entendi o que ela queria. Que eu trocasse a minha medalha com a dela para reconhecer que ela lutou e eu não. Eu prontamente ri da cara dela! Só o que faltava, eu passar minha medalha para alguém.

No fim esse evento foi o que devia ser, uma preparação para minha luta que está marcada desde janeiro para 7 de outubro. Vou começar a contar o que aconteceu.

Mas primeiro vamos lembrar o que aconteceu terça-feira dia 19. Nesse dia eu acordei disposto para conseguir dinheiro. Lá no finalzinho do dia depois de ter conseguido algumas moedinhas eu estava tão animado que escrevi um dos meus melhores textos. Entrem no meu blog cratodiarios.blogspot.com por um navegador ao invés de um link de Instagram e procurem o texto do dia 19 de setembro, (se não leram ainda), vale a pena. 

Mas depois veio a quarta-feira. Nesse dia a percepção de onde eu tinha me enfiado chegou com a suavidade de um coice de jumento. Antes de dormir eu estava revoltado como eu fico com muita frequência. Não vou mentir e dizer que é raro. Eu estava revoltado de não ter pago minha inscrição e por isso estar me sentindo na obrigação de trabalhar no evento, mas não apenas trabalhar, trabalhar com toda a disposição possível. Porque eu não sei fazer de conta, eu não sei fingir que estou fazendo algo eu preciso fazer e toda a previsão do que vinha pela frente me esmagou.

Quinta-feira eu aproveitei o último dia antes do evento para me preparar espiritualmente, no fim do dia escrevi um texto ainda angustiado mas resignado.

Sexta-feira começou a luta. A luta descalço, vestindo quimono e em cima de um tatame? Não meu leitor desatento. Começou a luta de chinelo, roupa surrada e carregando placas de tatame. O trabalho estava marcado para começar às seis e quinze da manhã lá no parque de exposições. Lá onde Luiz Gonzaga tocava sanfona. Lá no lugar onde tantas vezes eu fui dar meu pique de três minutos, onde assisti os evangélicos acampando, lá onde em companhia de minha sensei e minha senpai eu assisti o show do meu amigo Vicente e sendo essas três pessoas hoje as minhas principais parcerias na Associação Ikigai Dojo eu decidi renovar meu contrato por tempo indeterminado. Eu ainda não contei isso para o povo da minha academia. Vou contar só em novembro.

E se você querido leitor não souber o que é uma senpai e uma sensei eu peço que procure saber sozinho, porque eu não posso ficar toda hora colocando tradução em toda palavra em japonês que eu uso. Porque tem gente que me lê aqui todo dia e já sabe o que é. Aqui não é novela de Glória Perez que toda vez tem que explicar de novo a mesma coisa. Não sinto saudade da televisão. Eu só assisto televisão hoje para ver Fórmula 1 e futebol. Uma vez eu estava assistindo Fórmula 1 de madrugada e o narrador ainda era Galvão. Aí passou a quantidade de pontos que cada piloto tinha no campeonato, e tinha alguns pilotos com pontos quebrados, como 0,5 ponto ou 1,5 pontos. Nessa hora Galvão falou. "Tá aí para você que veio de Marte e não sabe porque tem piloto com ponto dividido." Ele sabia que não fazia sentido explicar isso, o sujeito que acorda de madrugada para ver Fórmula 1 sabe porque às vezes os pontos são divididos.

Mas então eu cheguei lá no parque de exposiçoes, porque a empresa de quem eu aluguei um contêiner para carregar escombros da parte de minha casa que desmoronou a NRG construções, guarda os caminhões que ela usa lá no parque e eles iam  ceder um caminhão para a gente buscar as coisas que iríamos precisar para fazer o evento. O caminhão veio com três trabalhadores, o motorista e dois carregadores. Um colega da academia de judô foi no caminhão e um carregador da NRG veio em um carro com a gente. Tínhamos então os três carregadores da NRG e quatro associados da Ikigai indo cumprir essa missão.

Primeiro fomos buscar tatames na casa do professor da Samurai Dojo lá em um lugar que eu ainda hoje depois de ter ido não sei onde é. Sorte que hoje existe GPS porque eu não sei como a gente ia chegar lá sem. Começamos na rodovia que vai de Crato para Juazeiro, depois dobramos em uma rodovia que eu acho que vai para Barbalha, aí dobramos um monte de vezes em um monte de lugar que eu não conhecia até chegar na casa do professor. Pegamos as placas e colocamos na calçada para esperar o caminhão. Eu graças a meu whey protein estava tranquilo mas meu parceiro Sibério estava já com a língua para fora e me perguntou.

— Cansa né?

Eu respondi.

— Pra quem tá em jejum cansa.

Sibério é um monstro. Um dos nossos melhores lutadores e um dos nossos melhores uke, (aquele que recebe a técnica). Para fazer exames e kata (uma rotina com técnicas preestabelecidas) precisamos de um parceiro que  caia. É extremamente difícil. Ele está na mesma graduação que eu, faixa laranja, mas já sabe cair em todas as técnicas de queda do conteúdo de faixa preta. Algumas são absolutamente difíceis, mas ele sabe cair em todas. Além de ser uma pessoa muito atenta. Ele foi uma das pessoas da Ikigai que mais me ajudou na minha preparação, porque como ele presta atenção em tudo é como uma enciclopédia onde a gente pode fazer perguntas e entender coisas. Ele não gosta muito de estudar lendo, prefere ouvir os outros falando, se ele começar a ler nem dá para imaginar onde ele vai parar. E se aprender a comer de  manhã então.

Depois pegamos o pódio na Secretaria de esportes;  cadeiras, mesas e caixas de som no Projeto Ecos de Esperança; mais placas de tatame no nosso centro de treinamento. No Centro de treinamento aconteceu algo digno de nota. O professor Carlos que estava dirigindo teve que sair para resolver outras coisas e ficamos os três empregados da NRG e os três associados da Ikigai pegando as últimas placas. Já era hora de ir à Urca e a solução já que não tinha mais o carro era ir em cima do caminhão em cima da carga. Eu não tenho vocação para carga, então fui para a URCA a pé. Quando cheguei o caminhão estava entrando no ginásio por uma entrada lateral e eu pude trabalhar descarregando.

A primeira missão estava cumprida.

A próxima missão era a pesagem marcada para às cinco horas da tarde. Eu estava inscrito para lutar na categoria menos noventa quilos, uma categoria que para lutas de equipe você precisa pesar menos de noventa e quatro quilos e meio. Mas como eu queria treinar para a minha luta do dia sete decidi ficar sem beber água. Bebi na hora do almoço e fiquei sem beber a tarde toda. Na hora de pesar, mesmo sabendo que estava muito abaixo de noventa e quatro quilos e meio eu pedi para tirar a camisa para testar onde eu tinha conseguido chegar, eu pesei 90,00 quilos. Se fosse uma competição individual eu teria conseguido bater o peso e com  pouquíssimo esforço. 

Depois de bater meu peso fiquei fazendo companhia a alguns colegas que iam lutar na sub quinze e por isso precisavam bater um peso bem mais difícil. A Vitória, aquela que jogou verde porque queria trocar medalhas comigo estava suada. Disse que participou de dois treinos para terminar de alcançar o peso. Ela enquanto esteve lá ficava abraçando as meninas da equipe que conseguiam bater o peso e dando os parabéns.

Eu estava com sede e fome, mas bebi muita água e comi bastante de uns salgados que tinha lá, a sensei estava com medo de que se estruísse porque o povo estava com vergonha de comer eu não podia permitir uma coisa dessas. Mais para frente também apareceu um funcionário do Café Itaytera e fez um monte de café para gente.

Quando eu cheguei na quadra para me pesar eu estava louco para voltar para casa e ir dormir para me preparar para lutar mas me disseram que não ia ter adversário. Eu estava disposto a simular um dia de luta mas não valia a pena ir embora enquanto houvesse trabalho para fazer já que eu não ia realmente lutar então decidi ficar lá o tempo que fosse preciso, com comida e café então.

Fiquei lá, ajudando a organizar mesas e cadeiras, colocar banners, carregar água, ajudei a montar o sistema de som. Nem lembro que horas cheguei em casa.

Fui dormir mas às duas e meia da manhã acordei. Pouco depois que acordei meu telefone tocou. Era um leitor dos meus textos, um amigo que estava precisando falar com alguém. Eu mais escutei mas também respondi o que ele perguntava. Ele elogiou muito minha escrita. Disse que eu devia crescer! Eu penso que o único crescimento que eu vejo agora é me dedicar ainda mais a escrever, mas em fim, depois de mais de uma hora ele desligou e eu fui dormir de novo.

A parte mais importante do começo do meu dia é que eu consegui comer uma refeição com proteína animal, carne. Assim eu pude guardar minha dose de whey protein para o almoço. Eu fui levando quimono, chinela, um short e uma camisa, me vesti de calça jeans e tênis. Levei uma garrafinha de café, uma garrafa de dois litros para pegar água no bebedor, escova de dentes, coqueteleira com a dose de whey, o quilo de alimento da entrada, óculos de grau, celular. Fui usando óculos escuros. Como minha mochila é pequena também levei um saco, com um segundo saco grande dentro. Teve horas que eu andei pelo ginásio de mochila e um saco em cada mão.

Cheguei quarenta minutos atrasado da hora marcada mas eu precisava muito comer carne para poupar o whey protein porque não é recomendável pelo fabricante comer mais que quarenta gramas por dia. Mas deu tudo certo, a abertura ainda não tinha começado.

Quando eu era criança e assistia judô achando que aquele esporte não era pra mim eu pensava, "se eu fosse um lutador eu participaria das aberturas." Eu ainda penso assim, é muito importante participar da abertura, mas eu acho que não devia ser obrigatório, quando você participa obrigado perde o sentido. 

Na hora da abertura a uke da minha senpai, que vai cair para ela no exame de faixa preta estava lá toda fantasiada de gente da Federação. Ela veio e me disse:

—  Moço, você poderia tirar os óculos escuros, é porque não pode. 

Eu tirei. Teve a abertura, fala de políticos, patrocinadores, professores. Depois liberaram a gente para sair.

Demorou muito. As lutas só foram acabar mais de sete horas da noite. Eu almocei em casa para poupar o Whey protein para janta e só tomei as seis horas da noite.

Algumas lutas que aconteceram valem um texto, uma luta só. Mas as partes que eu acho que devo contar agora. Nossa Associação Ikigai Dojô conseguiu o primeiro lugar geral. Nossa equipe de veteranos só foi para o pódio no final de tudo. A gente estava muito cansado. Eu até me deitei para descansar no ginásio porque é algo que eu sei que vou ter que fazer dia 7 mas o cansaço era grande, porque eu estava trabalhando desde as 6 horas da manhã do dia anterior.

Na hora do pódio o Presidente da Federação veio me entregar a minha medalha e disse, "A pessoa que mais trabalhou ontem ainda deu um jeito de conseguir uma medalha!" Eu balancei a cabeça que sim.

As pessoas da nossa associação que tinham lutado e que deveriam trabalhar na desmontagem do evento fugiram. Deviam estar muito cansados. Paciência. Eu fiquei trabalhando na desmontagem até uma da manhã. Depois fomos para o centro de treinamento comer umas pizzas. Haviam sete pessoas ao redor da pizza, eu comi muito mas bebendo água, dispenso refrigerante, e havia uma nutricionista dormindo do lado. Disseram que ela só come se tiver uma balança para pesar o alimento. Eu já acho meio exagerado ficar se pesando como eu faço, agora pesar o alimento já é demais até para mim.

Me despedi de meus colegas e disse que tinha que ir para casa ver a largada da Fórmula 1. Assisti à largada e dez voltas depois fui dormir. Hoje o dia foi praticamente só de descanso. Voltei a dieta. Meu corpo está aqui desesperado querendo carboidrato, mas não vai ter.

Na missa houve o evangelho dos trabalhadores da messe, um dos meus favoritos. Está chegando a festa de São Francisco e estou fazendo uma lista só com músicas sobre ele. A preparação para lutar dia 7 continua. Não esperem medalhas desta vez, acho que só volto a ganhar medalha ano que vem.

Para encerrar deixo essa luta que foi a mais importante para minha equipe. De branco meu colega Sibério que vai carregar tatames sem comer direito, mas que antes de lutar parece que se alimenta bem. Faixa laranja contra um faixa preta. Essa luta sozinha vale um texto.




         Até.

         Pix, Paypal e e-mail: diegosergioadv@gmail.com
           Meu plano é ensinar sobre esporte e guerra através do xadrez e do judô. Tenho luta marcada para sete de outubro e aceito ajuda. Qualquer valor via pix ou paypal ou um patrocínio no meu quimono

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Agradeço a todos os patrocinadores e a vocês meus leitores






Evento em que vou lutar dia 7 de outubro





 


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